terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Porta Nova

Ele tinha o hábito de sentar-se à mesa todas as manhãs para o seu desjejum. 

A copeira servia-lhe o café numa xícara de porcelana, acompanhado de um pequeno prato com bolachas de mel. 

Seu olhar se perdia horas a fio diante daquela casa. Havia algo melancólico naquele humilde prédio abandonado. E os dias passavam cada vez mais lentos diante daquela janela. 

Tornou-se quase impossível sentar-se ali sem esperar que algum vulto aparecesse. 

A imaginação diante da imagem, quase que uma obra de arte, corria solta até não ter mais o que beliscar à mesa. 

Certos devaneios aguçaram seus instintos a ponto de quase sentir o cheiro do alho fritando na panela, ou o gritar das crianças a correr pela casa atrás de travessuras. 

Certa manhã, viu uma moça, com bonés no cabelo, sentar-se na varanda para fumar um cigarro, enquanto a criada pendurava as roupas no varal. 

De certo que há muito não entrava uma alma sequer naquela casa, nem viva, nem morta. 

O que se mantinha vivo ali era apenas um romanticismo de um hóspede deste lado de cá do muro. 



E.Bello
Braga, 2020

Até breve!

Perdi alguns quilos, na verdade, me desfiz de muitos quilos… me livrei do sofá, geladeira, do guarda-roupa e muitas roupas e sapatos… Não tenho mais endereço fixo, conta de luz, condomínio, nem IPTU. Criei asas. 
Estou preparada para alçar voos longos, profundos. 
Arranquei emaranhados do meu coração e descortinei ideias. 
Comprei passagens, reservei estadias, fiz mil contas e planejei quilometragens. 
Vou sem reservas, sem expectativas e sem metas. 
Conto somente com o amor que descobri que sinto por mim, com a admiração que tenho pela mulher que me tornei, pelo ser humano que mora aqui dentro. 
Se o medo aparecer, vou com medo mesmo… 
Planos para este ano não existem, construirei durante os voos, nas estações de trem e nos longas caminhadas a pé. 
Para quem fica um até breve. 
Adeus é tempo demais para quem descobriu que o tempo é o dono do nosso destino. 

Elceli Bello
30/01/2020

Aqui dentro fiz minha morada

Vou te contar um segredo: a vida está aí dentro! 
Então, se você não está a fim de se produzir, enfrentar o trânsito, dividir a mesa com amigos, tomar umas taças de vinho ou chope e dar boas gargalhadas, tudo bem. 
Não se martirize por querer estar solo. 
Estar consigo também é divertido, também é saudável. 
Fica de pijama no sofá, assista a um filme que te faça refletir, rir ou até mesmo chorar, sem problema! Estoure pipoca, faça brigadeiro de colher, abra uma garrafa de vinho, ou simplesmente faça um chá. Cansou? Olha na janela, observe um pouquinho lá fora e volta pra você, põe uma música bem animada, aumente o volume e dance, solta a loucura que mora aí dentro, solte seus braços, pernas e quadris, afrouxa o riso, feche os olhos e sinta cada nota musical enchendo o seus espaços vazios. 
Aproveite para se namorar, se admire, se encante com quem você é quando ninguém está te olhando, seja você sem máscaras, seja só você hoje. 
Afinal, tudo o que você precisa para ser feliz não está em ninguém ou em nenhum lugar que não seja aí dentro. 
O seu melhor deve ser dado a você, sempre. 
Então descubra-se, encante-se, divirta-se e ame-se muito, sempre! 

Elceli Bello
21/01/2020

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Melodia

Em mentes que transmutam pensamentos, 
Corações sofrem pelo excesso de frieza. 
Não há compaixão na solidão. 
Nem mesmo pedras para se jogar e muros a pular. 

Uma árvore que expandiu seus galhos e floresceu na primavera, faz um sorriso acender em um rosto perdido, enganado e desesperançoso. 

Casca sagrada, deleite humano, plenitude e paz. 
Quero banhar-me na tua canção. 
Então cante…

Elceli Bello
25/10/2018 

Onde está a esperança?

E das vezes que meu coração sangrou? 
E das promessas que me foram feitas? 
E das buscas incessantes por algo bom? 

Caminhos sem volta 
Estradas sem fim 
Corpo cansado 
Mente atordoada 

Pra variar meu coração se espatifou.
Mais uma promessa foi desfeita. 

A música silenciou 
As palavras ficaram mudas 
O olhar se perdeu
As mãos ficaram vazias

Embora eu tenha o poder de recomeçar,
Apesar de poder ter minha esperança renovada,
Estou atônita, cabisbaixa e inerte

Meus passos que se estagnaram 
Minhas lágrimas secaram 
Meus cabelos se acinzentaram 
Meus joelhos não dobram mais

Elceli Bello
04/11/2016

Urubus

Vê os urubus sobrevoando ali em cima? 
São como os seres humanos! Ávidos pela desgraça alheia. Sempre à espera de algum pedacinho que ainda não foi cravejado. 
Somos todos carniça, aos olhos dos impiedosos. 
Voa, voa urubu! 
Pega a parte desta podre carne que te sobra e tenta ser feliz com o que te contenta.

Elceli Bello
10/02/2012

Águas e lágrimas

A lua pousava brandamente no horizonte fazendo-se saber que o dia já estava a se despedir. 
A água do mar formava ondas que arrebentavam nas rochas, num chiado sonolento e relaxante. 
Sentada à espreita dos pescadores, ela limpava a face de uma gota de lágrima que insistia rolar toda vez que era noite de lua cheia. 
O cheiro de maresia alimentava suas memórias. 
Foram dias felizes, cheios de luz. 

Elceli Bello
16/07/1998

Um breve adeus

A vida passa como numa vitrine, são muitas distrações… 
E quem passa por ela não vem descalça. 
Sabe onde pisa. 
Seus passos são certeiros. 
Sua direção é calculada. 
Não titubeia nem ameaça… 
flutua apenas e mede, 
meticulosamente, 
o fim da linha. 
Voltar não está nos seus planos. 
Portanto, não demora a chegar. 

Elceli Bello
13/01/2020

Vou cuidar de mim

Vou adentrar o meu espaço para me reconhecer.
Quebrarei muros e capinarei o mato necessário para que minha essência se revele. 

Este é um tratado interno, um acordo, uma parceria… chame como quiser chamar mas dê esse crédito para mim. 
Ninguém mais é responsável além de mim. 
E ninguém será capaz de me desviar dessa jornada, pois faz parte da missão, da minha missão como ser humano, missão de alma, missão do meu Eu. 
Onde me levará? Não sei…mas não tenho medo, aliás… nunca tive
Sempre me embrenhei em contos de fadas, estradas tortuosas, labirintos sem fim para que eu pudesse alcançar a minha verdadeira história. 
Com a chegada da minha fase ageless, grita em minha alma esse desejo, como se fosse um dos últimos ou, como se fosse o que é necessário para continuar viva. 
Transmutando-me, 
Reconhecendo-me, 
Descortinando-me 
e finalmente, 
Eu!

Elceli Bello
29/12/2019

Cala a boca já morreu

O corpo fala! 
Engole o choro. 
Engole sapo. 
Cala a boca. 
Cala peito. 
Mas o corpo fala, e como fala! 
Fala a ponta dos dedos batendo na mesa. Falam os pés inquietos na cama. Fala a dor de cabeça. Fala a gastrite, o refluxo, a ansiedade. Fala o nó atravessado na garganta. Fala angústia, fala a ruga na testa. Fala a insônia, o sono demasiado… 

Você se cala, mas o falatório interno começa.…
As pessoas adoecem porque cultivam e guardam as coisas não digeridas dentro de seus corações… Expressar tranquiliza. Dor não é pra sentir pra sempre. Dor é vírgula.
Então faz uma carta, um poema, um livro. 
Canta uma música. 
Pega as sapatilhas, sapateia. 
Faz piada, faz um texto. 
Faz um quadro, faz encontro com amigos. Faz corrida no parque. Fala pro seu analista, fala pra Deus, pro universo… 
Se pinta de artista. Conversa sozinho, papeia com seu cachorro. 
Solta um grito pro céu, mas não se cale. 
Pois, se você engolir tudo que sente, no final você se afoga. 

Elceli Bello
04/12/2019

ROMA

O amor é apavorante… Não é seguro! 
Quando você ama uma pessoa, tem que encarar que pode perdê-la. 
Às vezes a vida nos lança algo inesperado e você pode correr o risco de perder sua carreira, sua liberdade ou, pior de tudo, descobrir que alguém que você ama morreu. (Harvey Specter)
Isto é o que faz você perceber o quanto a vida é preciosa, como é importante cada segundo nessa terra e como as pessoas que amamos são importantes para nós. 
Ninguém sabe quanto tempo nós temos. 
Pode ser 1minuto, 1 dia ou 50 anos.
Mas mesmo que sejam 100 anos, nunca amaremos o suficiente. 
Desde que nascemos, nós procuramos pelo amor! 
Porque é o amor que nutre nossa alma. 
E quando temos sorte de encontrá-lo, nossas vidas mudam para sempre.

Elceli Bello
04/09/2017 

O tempo e o Vento

  Quando minhas vestes me desnudaram, só o que restou em mim foram os arrepios e a sensação de que eu já não morava mais ali mas sim no além...