terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Porta Nova

Ele tinha o hábito de sentar-se à mesa todas as manhãs para o seu desjejum. 

A copeira servia-lhe o café numa xícara de porcelana, acompanhado de um pequeno prato com bolachas de mel. 

Seu olhar se perdia horas a fio diante daquela casa. Havia algo melancólico naquele humilde prédio abandonado. E os dias passavam cada vez mais lentos diante daquela janela. 

Tornou-se quase impossível sentar-se ali sem esperar que algum vulto aparecesse. 

A imaginação diante da imagem, quase que uma obra de arte, corria solta até não ter mais o que beliscar à mesa. 

Certos devaneios aguçaram seus instintos a ponto de quase sentir o cheiro do alho fritando na panela, ou o gritar das crianças a correr pela casa atrás de travessuras. 

Certa manhã, viu uma moça, com bonés no cabelo, sentar-se na varanda para fumar um cigarro, enquanto a criada pendurava as roupas no varal. 

De certo que há muito não entrava uma alma sequer naquela casa, nem viva, nem morta. 

O que se mantinha vivo ali era apenas um romanticismo de um hóspede deste lado de cá do muro. 



E.Bello
Braga, 2020

Um comentário:

  1. Muito bom! Deu até pra imaginar a cena. Perfeita descrição

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